Olá pessoal! Tudo bem?
Espero que estejam todos bem.
Nas últimas semanas, acredito que alguns devem ter ouvido falar novamente sobre um tema que ao longo desse ano vem sendo muito discutido com relação às decisões proferidas pelo CARF, qual seja o voto de qualidade no CARF. Em se tratando de uma questão de suma importância para o processo administrativo fiscal, não poderíamos deixar de estudar e refletir sobre esse tema.
O voto de qualidade no CARF foi estabelecido pelo artigo 25, §9º do Decreto nº 70.235/1972 ao determinar que em caso de empate no julgamento caberia ao Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais proferir o voto de qualidade para o caso em questão. O dispositivo prevê ainda que os cargos elencados deverão ser ocupados por conselheiros que representem a Fazenda Nacional.
A sistemática do voto de qualidade tinha, portanto, um papel de grande relevância para o resultado das decisões no processo administrativo fiscal no CARF e gerava uma série de discussões quanto a sua aplicação.
Ocorre que no ano passado o voto de qualidade foi extinto quando da conversão da Medida Provisória nº 899/2019 na Lei nº 13.988/2020.
A Lei nº 13.988/2020 teve como principal objetivo estabelecer disposições para permitir a transação tributária, cumprindo com a determinação prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional. Mas em que pese esse objetivo principal, mencionada lei promoveu algumas alterações em outras leis, dentre as quais a Lei nº 10.522/2002, de modo que o artigo 28 da Lei nº 13.988/2020 incluiu um novo dispositivo na Lei nº 10.522/2002, o artigo 19 – E, versando justamente sobre a extinção do voto de qualidade.
“Art. 19 – E, Lei nº 10.522/2002. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o §9º do art. 25 do Decreto nº 70.235/1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”
Por meio do artigo 19 – E da Lei nº 10.522/2002 ficou expressamente definido que havendo empate no julgamento do processo administrativo fiscal a solução seria aquela favorável aos interesses do contribuinte.
Diante disso, novas questões foram levantadas quanto ao voto de qualidade, especialmente em relação à legalidade de sua extinção por meio da Lei nº 13.988/2020, motivo pelo qual o tema marcou muitas discussões tributárias desde então.
Frente ao questionamento da legalidade do dispositivo, o tema foi levado à apreciação do Supremo Tribunal Federal por meio de três Ações Diretas de Constitucionalidade, a ADI 6.415, a ADI 6.399 e a ADI 6.403 que suscitam principalmente a existência de vícios formal e material na lei ao estabelecer a extinção do voto de qualidade.
A ADI 6.415 foi proposta pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), a ADI 6.399 foi proposta pela Procuradoria - Geral da República e a ADI 6.403 foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), todas buscam a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 13.988/2020 por considerar a ocorrência de vício formal da norma, pois o dispositivo foi incluído na lei por meio de emenda parlamentar e não tem relação com o objetivo principal da lei, bem como vício material por considerar que o dispositivo desrespeita a presunção de legitimidade dos atos administrativos e a prevalência do interesse público sobre o interesse privado.
Ante a igualdade do objeto das três ações estas foram reunidas para decisão conjunta da Corte que foi incluída em pauta pela primeira vez para julgamento no início de abril de 2021, mas o julgamento foi suspenso após o pedido de vista do Ministro Roberto Barroso. Naquele momento, apenas o Ministro Marco Aurélio tinha proferido voto, no sentido de que julgava procedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade formal do dispositivo.
Após o pedido de vista, com a devolução das ADIs para julgamento, o tema foi novamente incluído na pauta do STF com previsão para ocorrer no a partir do dia 18/06/2021, de forma que em mencionada data o julgamento foi retomado com a apresentação do voto do Ministro Roberto Barroso que de modo divergente ao voto proferido pelo Relator considerou improcedentes os pedido das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, bem como propôs a tese que deveria ser fixada no julgamento, nos seguintes termos:
“É constitucional a extinção do voto de qualidade do Presidente das turmas julgadoras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscal (CARF), significando o empate decisão favorável ao contribuinte. Nessa hipótese, todavia, poderá a Fazenda Pública ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário.”
Quanto ao voto supracitado é importante considerar que da forma como a tese foi sugerida se estabeleceria uma nova possibilidade para que diante da solução de um processo administrativo decorrente de um empate o Fisco poderá novamente discutir o tema na via judicial, o que atualmente não é permitido tendo em vista que na atual sistemática do processo administrativo a decisão proferida em última instância administrativa faz coisa para o Fisco, de modo que a matéria só poderá ser novamente apreciada, agora na via judicial, por iniciativa do contribuinte.
Em seguida o próximo voto a ser proferido era do Ministro Alexandre de Moraes, contudo, em razão de um novo pedido de vista formulado pelo Ministro o voto não ocorreu e julgamento foi novamente suspenso.
Assim, permanece a incerteza quanto a constitucionalidade da extinção do voto de qualidade no CARF, de modo até o presente momento o julgamento está empatado e certamente somente após o retorno dos autos a pauta de julgamento do STF será possível o direcionamento da Corte para decisão, ressaltando que assim como já ocorreu por duas vezes, novos pedidos de vista podem ser formulados, postergando ainda mais a decisão em questão.
Portanto, com fica claro da exposição apresentada atualmente o placar da decisão está empatado e com retorno dos autos para pauta de julgamento será possível ter um direcionamento da decisão que será proferida quando do término do julgamento. No entanto, especialmente se a divergência apresentada por seguida pela maioria dos Ministros os impactos da decisão implicaram em significativas mudanças no processo administrativo fiscal, bem como terá grandes reflexos na via judicial tendo em vista a possibilidade de o Fisco buscar nesta uma nova discussão sobre o tema até então favorável ao contribuinte.
Importa destacar ainda que independentemente da decisão proferida certamente está refletirá em uma mudança de entendimento de alguns temas tanto das Instâncias Julgadoras Administrativas quanto do Poder Judiciário.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 5.172/1966 de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2021.
_____. Decreto nº 70.235 de 06 de março de 1972. Dispõe sobre o processo administrativo fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF, 07 mar. 1972. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2021.
______. Lei nº 10.522 de 19 de julho de 2002. Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências. Brasília, DF, 22 jul. 2002. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2021.
______. Lei nº 13.988 de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica; e altera as Leis nº 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522 de 19 de julho de 2002. Brasília, DF, 14 abr. 2020. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2021. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.399/ DF. Relator Ministro Marco Aurélio. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2021.
_______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.403/ DF. Relator Ministro Marco Aurélio. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2021. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.415/ DF. Relator Ministro Marco Aurélio. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2021.
ESCRITO POR ANA BEATRIZ DA SILVA
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